Bem vindo

Aqui vais encontrar "o melhor das minhas veias" sob a forma de Sonetos.
A lista aqui ao lado , numerada e ordenada para facilitar a leitura, estará em constante crescimento "na louca esperança que tu leias".
Alguns Sonetos têm associado um pequeno video ou um slide show e estão assinalados.
Os Sonetos que aparecem na página inicial foram os últimos a serem colocados, por isso aconselho a começares pelo primeiro(ver lista).
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LXXXVII Escrevo o teu nome em todo o lado!



Escrevo o teu nome em todo o lado!
No canto duma folha de jornal,
(em lenços, guardanapos, é normal)
num vidro de janela embaciado.

Escrevo sempre em letra miudinha
num gesto de ternura recorrente.
A mão ao escrever quase que sente
o toque do teu corpo em cada linha.

Mas sempre foi assim desde o começo,
por tanto o repetir nunca te esqueço
e tenho-te na ponta dos meus dedos.

Nem sabes que te escrevo a toda a hora…
Nas folhas de papel que deito fora
vai sempre o maior dos meus segredos.

LXXXVI Eu quero-te mas sempre dizes não.



Eu quero-te mas sempre dizes não.
Desejo-te até às escondidas
em noites de insónia, mal dormidas
em sonhos que me tiram a Razão.

Eu quero a vontade de querer,
eu amo a ideia de te amar,
suspiro e até me falta o ar,
invento-te se não te poder ver.

Escrevo febrilmente mais um verso,
construo meio louco um universo
aonde eu te tenho só para mim.

Depois mais um soneto magoado
até ficar doente, esgotado,
aqui nesta saudade sem ter fim.

LXXXV Bife Cru



No meio dos lençóis lá estás tu.
Sereia quase imóvel, como ausente,
estátua que da vida nada sente,
um bife mal passado quase cru.

A carne até é boa… suculenta.
Tem veias, tem gordura, boa cor
mas falta-lhe o tempero do amor,
o sal, o alecrim, boa pimenta.

Por isso nem me sabes a pecado.
Cebola estalada, refogado,
tempero sem picante e sem alho.

Nem sei mesmo o porquê do meu desejo,
nem deste meu tesão tão malfazejo.
Devias ter ficado lá no talho.

LXXXIV Perfume

Voltaste, como pêndulo à solta.
Não sei quando tu voltas, é incerto.
Se ontem eras longe, hoje perto
baralhas-me a cabeça com a volta.

Não sei por onde andaste, fugidia,
não morta mas apenas escondida.
Lembrança, uma bela adormecida,
memória que procuro todo o dia.

Eu sei que vais embora com o vento,
nem olhas para trás por um momento,
mas deixas uma réstia de perfume.

A ele me agarro em tua ausência,
mitigo a tua a falta, a abstinência.
Com ele eu atiço este lume.

LXXXIII Sorte


Vesti a camisola do avesso.
Uns dizem que é azar, um mau sinal,
que algo, cedo ou tarde, corre mal.
Por mim, eu não me importo até mereço.

Passeio por debaixo duma escada,
tropeço em gato preto a toda a hora.
Não ligo! O mau-olhado vai embora,
e sexta-feira 13 não é nada.

Não trago amuletos ou mezinhas,
nos bolsos não há nada escondido,
nem patas de coelhos, nem cruzinhas.

Apenas sou um filho desta sorte
que teima em manter-me protegido
até da foice impávida da morte.

LXXXII ...Mas não te dou!



Eu tenho, para te dar, pó das estrelas,
o brilho de mil sóis tão cintilantes,
os ais e os gemidos dos amantes,
as noites de luar entre as mais belas.

Eu tenho, para te dar, o som do mar
num búzio que encosto ao teu ouvido,
respostas para teu qualquer pedido,
ternura de canções de embalar.

Eu tenho, para te dar, um par de asas
(podendo tu voar por sobre as casas
um voo que nenhum anjo voou),

um monte de palavras doces, ternas,
mil versos e até juras eternas.
Eu tenho para te dar…mas não te dou.

LXXXI Bravo!!!


Sorrio cada vez em que eu penso
na forma que te abres para mim.
Entregas-te dizendo: -Quero sim!
sorrindo num desejo tão intenso.

Eu guio-te os gestos carinhoso.
Tu deixas-te guiar qual aprendiz,
atenta ao que a minha boca diz,
tu levas-me contigo nesse gozo.

Agora és tu que pedes, já ardente,
num grito que se torna exigente
que faça o que tu queres, como escravo.

Eu dou-te o meu corpo por inteiro,
nem sinto qual dos dois chegou primeiro.
Ah! Foi ao mesmo tempo!?! Então, Bravo!!!

LXXX Agora!!!


Um ápice, um segundo, um momento,
um ponto, um contraponto, um espaço,
é quando te elevas do cansaço
em força inusitada, novo alento.

Esticas-te, estrebuchas, estremeces
em transe demoníaco, tribal,
expeles o desejo animal
e num estertor louco te ofereces.

Eu fico assim quieto, mal respiro,
atento ao teu próximo suspiro,
eu sei que é chegada essa hora.

Espero eu também já ofegante
por esse tão singelo e doce instante.
Tu gritas: - Vem comigo! Já! Agora!!!

LXXIX Partes Brancas



Adoro no teu corpo as partes brancas
macias, desenhadas pelo sol
que estendes para mim no teu lençol
num lento rebolar das tuas ancas.

Nos seios é apenas um risquinho
que passa nos mamilos empinados.
Encolhes o bikini assim dos lados
o sol aí não chega, coitadinho.

Nas ancas não tens marcas, afinal
tu teimas em usar fio dental,
o sol pôde beijar e abusou.

Na frente um triângulo pequenino…
Eu pouso mais um beijo com carinho
aí onde o sol não te queimou.

LXXVIII À Revelia



Escrevo à revelia da moral
sem medo do atropelo à decência.
Escrevo apressado, com urgência
qualquer ideia mesmo a mais banal.

Escrevo sobre sexo, sem pudor,
com gosto, excitado, emotivo.
Escrevo sobre a morte, mas bem vivo,
só fujo de escrever sobre o amor.

Parece que não sei mais conjugar
um verbo que já soube manejar,
mas penso que também amei um dia.

Escrevo a direito, escrevo torto.
Quem sabe se algum dia, eu já morto,
serei também julgado à revelia.

LXXVII Bombons



Abri uma caixinha de bombons.
As pratas que os envolvem delicadas
são todas diferentes, variadas,
com cores e nuances de mil tons.

Escondem cada qual o seu sabor,
excitam o palato de um gourmet.
Eu todas experimento, já se vê,
guloso eu devoro qualquer cor.

Parecem as mulheres da minha vida,
mistura de sabores tão colorida,
envoltas não em pratas, mas segredos.

De todas eu me lembro. Aqui! Agora!
E foge-me a saliva, boca fora…
Saudoso eu lambuzo os meus dedos.

LXXVI Cyber Sex



Wonderland! O país das maravilhas,
prazer bem ao alcance de um clique.
Moderno, cibernético, até chique,
sem medo de doenças empecilhas.

Inócuo, seguro, é um facto…
É pena não estarmos lado a lado.
Enquanto dás carinho ao teclado,
apalpo e massajo o meu rato.

E tornas-te a mais louca das mulheres,
gozando quantas vezes tu quiseres.
Aqui tu és senhora e rainha.

Eu sinto-me o amante mais perfeito,
bem forte, bem machão. E deste jeito
nem temos de usar a camisinha.

LXXV Amigos de Infância



Eu vejo os meus amigos de infância
(compinchas do pião, das caçadinhas,
dos bailes, dos engates das meninas)
agora não tão perto, à distância.

Estão secos enfiados nos seus fatos
Armani, Hugo Boss na etiqueta.
A vida opulenta, mas careta,
vazios, muito velhos, muito chatos.

Eu sou uma criança irreverente
num corpo de adulto. Bem diferente
procuro e consigo ser travesso.

Enquanto eles sofrem de azia
eu tento, com a minha poesia,
virar este meu mundo do avesso.

LXXIV Olhos Verdes



Os olhos que me fitam a um palmo
são verdes como duas esmeraldas,
as pestanas são compridas, são grinaldas…
Ao vê-los eu sossego, eu me acalmo.

Depois ela me franze o sobrolho.
O meu sossego logo vai a zero,
parece impossível mas não quero
estar tão perto deles, me encolho.

E fico encolhido, boca aberta!
É esta a atitude mais esperta,
não há querer, vontade, que resista.

Agora nem consigo mais falar!
Eu juro que até me falta o ar
sentado na cadeira da dentista.

LXXIII Que Traço!!! (SLIDE)


Que boa!!! Mas que bunda, bela coxa!
Que traço, que pedaço de mulher!
Fará ela de mim o que quiser,
escravo dum tesão que me põe trouxa.

As mamas!!! Mas que seios, mas que peito
que teima em saltar pelo decote
fazendo-me, tão forte, um fracote
que perde a compostura e o respeito.

E desço aos infernos mais profundos,
arrasto os pensamentos mais imundos
chafurdo na mais porca das luxúrias.

Pecado é esse corpo generoso,
um hino ao desejo, ao puro gozo,
imune aos meus piropos e lamúrias.

LXXII De Joelhos


Prostrado à tua frente de joelhos
eu rezo inclinado, ansioso.
Venero o teu corpo generoso
e cito em voz baixa os evangelhos.

São preces que eu envio para ti,
rosários que eu desfio com ardor,
são juras de paixão e de amor.
Mentiras. Por lascívia te menti.

Só quero que me mates esta sede.
Tesão com que te encosto à parede
é prova desta fome, desta míngua.

Afastas lentamente as tuas coxas
(da força que fizeste estão roxas).
Um frémito trespassa a minha língua.

LXXI Recordar



Não sei como consigo recordar-me
de coisas que não fiz e só sonhei.
Não foi por culpa minha, eu bem tentei
mas sempre resististe ao meu charme.

Relembro a brancura do teu peito
(mil vezes foi por mim imaginado),
mamilo entumecido e rosado,
que quero para mim, mas nada feito.

O gosto misturado com o cheiro
não sei bem qual dos dois sinto primeiro
se chego o teu corpo ao pé do meu.

Memória que tão rápido se esfuma,
rebenta como bolas de espuma,
saudade do que nunca aconteceu.

LXX Marioneta


É fácil, muito fácil, já vais ver.
Segura, curiosa, neste fio,
aceita de bom grado o desafio,
no fim não te irás arrepender.

Agora mais um fio e outro ainda.
Não é complicado nem ciência,
precisas de destreza e paciência,
um pouco de balanço, minha linda.

Dedilha alternados, sem razão
os fios que tu prendes com a mão
e olha para as pontas lá em baixo.

Vais ver-me atarantado, um pateta,
boneco, hoje sou marioneta
que dança ao teu gosto. Que diacho!!!

LXIX Sombra


Não somos nem Romeu, nem Julieta.
Não sou nenhum Tristão, nem tu Isolda.
Tu és uma mentira que se molda
em volta duma mente inquieta.

Apertas-me, até me falta o ar.
Enrolas-me, jibóia decidida.
Tu és um adesivo numa ferida
que dói mesmo arrancando devagar.

Eu fujo, mais que corro, não me afasto.
Tu segues-me, farejas o meu rasto,
tu és alma penada que me assombra.

Desisto de correr, abrando o passo
cansado não resisto ao teu abraço.
Estás mais junto a mim que a própria sombra.


LXVIII Morcão



Estou aqui parado nesta esquina
a ver fugir a vida à minha frente.
E fico assim quieto indiferente
deixando de escrever a própria sina.

Caí nos braços fofos da moleza,
em sono bafiento, entorpecido.
Drogado eu não tenho nem querido
saber porque o sono assim me pesa.

Acorda, meu morcão que já é tarde,
depressa que o futuro já te arde
no fogo distraído do presente.

Agarra a pouca vida que te falta
e goza, esperneia, vai e salta
por cima dessa cisma que te mente.

LXVII Trunfo Escondido


O Verso vem aí, vem de rompante.
É pena que não traga a Poesia…
Com ela e o Verso juntos poderia
fazer alguma coisa interessante.

Apenas vem o Verso rigoroso
Que conta as palavras, uma a uma,
as sílabas, não vá faltar alguma.
As tónicas no sítio dão-lhe gozo.

E fico agarrado nesta métrica
que deixa escapar em liberdade
apenas alguns gritos de Ipiranga.

Que raio de escrita mais patética!
Transforma, com palavras, a verdade
em trunfo escondido numa manga.

LXVI Sussurro



Eu tenho o coração ao pé da boca
mas esta está muda, bem fechada.
Covarde, com vergonha não diz nada.
Garganta do aperto fica rouca.

Engulo a palavra, impotente,
estranho a minha língua de tão seca.
A minha fluência fica peca,
a graça habitual não mais se sente.

Não falo mas escrevo com fartura
tentando mitigar esta secura
que tu não compreendes nem que tentes.

Se perto me chegares o teu ouvido
quem sabe, de repente, eu consigo
deixar sair teu nome entre os dentes.

LXV Abrenúncio


Oh! Baby, rebentaste-me o prepúcio
que sangra como virgem violada.
Um golpe tão pequeno quase nada
mas dói como o caraças, abrenúncio!

Agora queres sarar-me a ferida.
Não podes nem tocar-lhe, afagá-la,
perdeste até o jeito e a fala
e, muda, olhas para mim arrependida.

Embrulhas-me tão meiga com um lenço,
eu fico agradecido e só penso:
- Que pena isto ter acontecido.

Não fosse o teu cio tresloucado
iríamos passar um bom bocado…
… mas eu estou aqui todo encolhido.

LXIV Lascívia


Eu sei que não te amo, é só desejo,
querer de animal cheio de cio.
Lascívia que me empurra pró vazio,
loucura que me dá quando te vejo.

A carne toda ela se excita,
o sangue corre quente, endiabrado,
a mente não se livra do pecado.
O sexo firme, roxo, arrebita.

Mas penso isto tudo sem malícias,
não quero sujeitar-te a sevícias.
Eu sou e sempre fui concupiscente.

E guardo para mim este tesão
que ferve então mais tarde em minha mão.
Sozinho, no escuro, já demente.

LXIII Defeitos


Corri atrás do belo, do perfeito,
dum rabo que rebola à minha frente
de algo que se diga diferente
da curva opulenta de um peito.

Segui mais de mil pistas disfarçadas
atrás de um perfume ou simples cheiro
armado em cão de caça, perdigueiro,
atrás de umas pernas alongadas.

Tirei, qual costureiro, as medidas,
tentei eu seduzir as escolhidas
com gestos, com palavras, com trejeitos.

Agora, perfeição, já não me iludes!
E hoje, muito mais do que virtudes,
procuro apreciar os teus defeitos.

LXII Mereces


Um copo há muito tempo proibido
liberta minha mente e minha escrita.
Se esta se apressa aflita
a outra bem procura um sentido.

Prefiro o tinto ao branco. É da cor!
Vermelho, escarlate de paixão,
do sangue que me enche o coração.
Difícil é chamar-te de Amor.

Desculpa a timidez e o recato
(talvez seja do vinho que é barato)
desculpa este soneto tão à toa.

Mereces um poema do Homero
que cante em mil versos que te quero.
Mereces Barca Velha ou Bacalhoa.

LXI Truque


São horas como estas tão vazias,
minutos que se arrastam num espasmo,
o ócio dos segundos, um marasmo,
que fazem solidão estes meus dias.

Não quero estar sozinho e invento
a tua improvável companhia
aqui mesmo ao meu lado (quem diria?)
tão longe estando tu neste momento.

Um truque inventado, sem semente,
tão puro, tão naífe, inocente.
É simples artimanha pessoal.

Resulta? Bem, às vezes, mas não sempre.
Nas outras fico só, indiferente
e, juro, chego até a passar mal.

LX Saudade


Não sei o que fazer a tal saudade,
a esta incontinência dolorosa,
a esta maluqueira tão raivosa,
a este dia a dia sem vontade.

Acode-me! Caminha a meu lado.
Ajuda-me! Só tu podes fazê-lo.
Encontra as duas pontas do novelo,
destrança este sentir emaranhado.

Resgata esta mente que se perde,
depressa antes que a sorte me deserde.
Loucura é uma seta, eu sou o alvo.

E peço - sem mentira, sem cinismo -
que faças qualquer coisa, um exorcismo.
Diz uma só palavra e serei salvo.

LIX No Fumo Do Cigarro


Não sei como apareces de repente
atrás de qualquer coisa tão comum.
Fantasma, vens do nada, do nenhum,
assombras-me dum modo diferente.

Não sei qual a magia que tu usas
que põe a minha vida assim presa.
Não sei como me apanhas de surpresa
e tornas-te a maior das minhas musas.

Não sei como te fazes nevoeiro
opaco, envolvente, sorrateiro,
que tento abraçar mas não agarro.

Nem sei porque feitiço ou que arte
consigo facilmente imaginar-te
no fumo que se solta do cigarro.

LVIII Barrela


Tu não ligas nenhum ao meu afecto,
à simples amizade que te ofereço.
E eu, que penso ainda que mereço,
agora aqui me lavo, desinfecto.

Começo por fazer montes de espuma,
esfrego com as unhas muito bem,
dissolvo tua imagem e também
arranco as lembranças uma a uma.

A pele já se foi mas vou mais fundo
( não é que esteja sujo ou imundo )
até à mais recôndita entranha.

Por muito que me custe o que faço
arranco o teu último pedaço.
A vida, tão vazia, fica estranha.

LVII Nem Sequer Existes


Mas nem sequer existes, inventei-te!
Criei-te assim do nada do vazio,
queria que aquecesses este frio.
Desculpa! Na verdade eu usei-te!!!

Nem sabes que és parte deste mundo
criado em meu próprio benefício.
Desculpa se te uso como vício
ou droga, ou desejo mais profundo.

É pena estares de fora deste sonho
e fora deste altar onde te ponho,
aonde te endeuso, te adoro.

Assim entenderias com certeza
a falta que me fazes, a tristeza
que sai dentro de mim e porque choro.

LVI Não Rima


Tu és como um verso que não rima,
mas teimo em enfiá-lo num poema
que tem a minha vida como tema.
(Quem sabe noutra linha mais acima…)

Um verbo só no modo de infinito,
difícil conjugá-lo de outra forma,
o tempo junto a ti fica sem norma,
vapor que se esfuma, é esquisito.

Há versos que não rimam, todavia
não deixam de vibrar em poesia,
são música, harpejos, pelo ar.

O verbo, sem abrir, mesmo quieto
transmite, só por si, o meu afecto,
no tempo deste verso acabar.

LV Criação


Queria ter o dom da existência,
o bafo que do barro extrai a vida;
pegar numa memória escondida,
discreta, macerada em inocência,

e dar-lhe novo alento, novo ser.
Trazer do fino limbo da lembrança
um fresco e leve riso de criança
chilreio que nem ave pode ter.

Moldar com minhas mãos o teu perfil
pintar o teu olhar de azul anil,
sonhar o teu sorriso vida fora.

Assim fez, com Pinóquio, o Gepeto.
É grande este sonho em que me meto,
mas quando acordar, não vás embora.

LIV Penitência


Queria escutar os teus pecados
(atrás da velha grade do confesso),
usá-los com arma de arremesso,
quebrar tua altivez em mil bocados.

Terás teus pontos fracos, com certeza,
terás um calcanhar como Aquiles.
Confessa ( vamos lá e não refiles ),
desvela para mim tua fraqueza.

Depois, para remires os teus pecados,
que foram por engano confessados,
escrevo aqui a tua penitência:

Vais dar-me, num sorriso, a tua mão.
Se fria, orgulhosa dizes não,
na mesma te absolvo. Paciência!

LIII A Tua Indiferença


A tua indiferença é acidez,
matéria sulfúrea e corrosiva
que põe meu interior em carne viva
e ardo cá por dentro outra vez.

Parece um instrumento de tortura
que aperta ossos, músculos, à cega,
num jeito de carrasco que renega
qualquer e todo o gesto de ternura.

A culpa não é tua, eu confesso.
É minha! Mas que tolo eu pareço…
Gostar de um sofrimento tão atroz!!!

Sou dupla personagem nesta estória
(não é que daí venha grande glória).
Consigo ser a vítima e o algoz.

LII Alma Gémea


Pensei ter encontrado a alma gémea.
Foi pura ilusão, quase mentira!
E juro, pelo ar que se respira,
não via só em ti uma outra fêmea.

Prendi-me no sorriso inteligente,
nos gestos leves, simples, espartanos
na mente firme, recta, sem enganos,
no jeito que coravas de repente.

Sonhava com serões frente à lareira,
depois de mais um dia de canseira,
um livro de poemas numa mão.

Pousavas a cabeça em meu regaço,
despias junto a mim o teu cansaço,
guiavas-me, matreira, a outra mão.

LI Sina


Olá! Deixa pegar na tua mão,
gentil virar-lhe a palma para cima
e ler, por entre as linhas, tua sina,
sentindo acelerar teu coração.

Desenho com o dedo a letra M
que surge bem vincada em tua pele.
Depois olho teus olhos cor de mel,
seguro com mais força a mão que treme.

Descrevo um futuro cor-de-rosa,
a vida mais incrível e charmosa,
idílio permanente sem ter fim.

É tudo para ti, na condição
de teres entre as mil linhas dessa mão
alguma destinada para mim.

L Pé Ante Pé


Discreta, ou então pé ante pé,
chegaste como fumo rarefeito,
entraste porta adentro no meu peito.
Intrusa! A princípio nem dei fé.

Depressa te instalaste possessiva,
roubando o lugar doutras paixões.
Não sei como consegues e te pões
por cima, dominante, tão altiva.

Eu sei que tu não queres este papel
de vírus infiltrado sob a pele.
Sou eu que quero e vivo este momento.

Não sei como tratar esta virose,
nem tenho do antídoto uma dose.
Irás como vieste: com o tempo!

XLIX Névoa


A névoa matinal ganha contorno
e molda o teu rosto em relevo.
Imagem que retenho e depois levo
até que se evapora sem retorno.

Encontro-te então na luz do sol
que ofusca as lembranças mais sombrias,
relembro os dentes brancos quando rias,
o hálito mais fresco que mentol.

À tarde vens em horas repetidas,
brincamos, só nós dois, às escondidas,
crianças que não pensam em mais nada.

A noite traz consigo a luz da lua,
a última imagem é a tua.
Sorris no aconchego da almofada.

XLVIII Coceira


A dor já me aperta as entranhas,
as mãos atarantadas não se quedam,
os dedos tão nervosos não sossegam,
a mente inventa próspera mil manhas.

Coceira que me brinca na barriga
impele esta escrita que tu lês.
Palavras uma a uma em sua vez
serão mais um soneto assim consiga.

No fim de oito linhas já escritas
eu sei que mesmo tu não acreditas
no verso assim parido de repente.

Parece-te um aborto provocado,
maldade de uma alma em pecado,
mentiras de um poeta que te mente.

XLVII Desespero


Passou por mim agora uma mortalha
em cima de um caixão toda bordada.
Enfeita com a cor arroxeada
os restos que sobraram da batalha

da vida que o defunto já perdeu.
Gelado, teso, hirto, esticado,
encara impotente o seu fado,
imóvel no destino que é o seu.

Consigo adivinhar-lhe o desencanto,
sozinho como um bicho a um canto,
a morte tão eterna à sua frente.

Lamenta as mulheres que nunca amou,
julgava que era novo, não pensou
na morte que chegou tão de repente.

XLVI Esperteza


Por vezes enganei a própria morte.
Devia estar ela distraída
pensando a quem vai tirar a vida
rodando a roleta da má sorte.

Mulheres enganei eu muito mais vezes,
sem medo nem temor de uma vingança.
A morte só nos dá a esperança
por anos, alguns dias, alguns meses.

A elas eu engano num sorriso
mostrando como pouco é o juízo,
dizendo como sou uma má rês.

A morte não me gaba a esperteza.
Relembra com verdade, com certeza:
Um dia vai chegar a minha vez.