Bem vindo

Aqui vais encontrar "o melhor das minhas veias" sob a forma de Sonetos.
A lista aqui ao lado , numerada e ordenada para facilitar a leitura, estará em constante crescimento "na louca esperança que tu leias".
Alguns Sonetos têm associado um pequeno video ou um slide show e estão assinalados.
Os Sonetos que aparecem na página inicial foram os últimos a serem colocados, por isso aconselho a começares pelo primeiro(ver lista).
Aprecia, comenta e se possível devolve-me um sorriso para silveriocalcada@gmail.com

XLV Frio (VIDEO)



Reparo nos meus pés enregelados:
São brancos, tristes, pálidos, tão frios...
No meio da brancura vejo uns fios,
que fazem riscos frágeis, azulados.

São veias já cansadas, apertadas
que mal deixam passar este meu sangue
outrora vivo, quente, palpitante.
As unhas são também arroxeadas.

O frio sobe já por mim acima
querendo envolver-me num abraço,
num seco e tão gélido aperto.

Escrevo mais depressa esta rima,
pois sei que dia a dia, passo a passo
o fim, inexorável, está mais perto.

XLIV Socorro


Socorro!!! Grito surdo que ecoa
no fundo da garganta que está muda
e seca como o pó. Ninguém se iluda:
Sorrio muitas vezes mas à toa.

E desço a escada em espiral
que leva ao mais profundo dos meus medos...
No meio dos pecados, dos segredos,
habita um bicho escuro, irracional.

É feito de temores, hipocondria
e veste capa negra. Quem diria,
atrás de um sorriso, tal desnorte!

Gostava de vos ver no mesmo fado...
Ficavam, como eu, todo aninhado
ao verem, mesmo à frente, a própria morte.

XLIII Inferno


E tu, ó feio demo que espreitas
atrás dessa cortina de vapores
sulfúreos, azedos, de odores
de fétidas e pútridas maleitas,

não queiras os despojos do meu corpo
que chega até ti já tão queimado.
Procura entre a cinza o meu pecado,
chafurda depois nele como um porco.

Recolhe das entranhas já desfeitas
as poucas coisas boas por mim feitas
queimando tua pele (qual água benta).

Derrete pela força da paixão
que dei sempre que abri o coração.
Agora já está morto, não rebenta.

XLII Testamento


Deixei eu já escrito em testamento
a forma como eu quero regressar
à cinza. E esta solta à beira mar
fará chorar alguns nesse momento.

Hesito na escolha do destino
a dar a este corpo já sem vida.
Queimá-lo foi a forma escolhida,
não quero um buraco pequenino

abaixo sete palmos e sem luz.
Um cheiro a carne podre e a pus,
não ia suportar esse fedor.

Depois há o vizinho ali ao lado
Dizendo, mesmo morto, empertigado:
- Hei! Tu! Chega para lá se faz favor!

XLI Fantasia


Vesti a fantasia da tristeza,
desfilo mascarado na avenida
que corre para o fim de minha vida.
Sou triste arlequim como em Veneza.

Mas não foi sempre assim a minha sorte.
Já tive mil paixões e alegria.
a própria fortuna me sorria.
Agora o azar é o meu norte.

Começo o Carnaval à quarta-feira
nas cinzas que sobraram da fogueira
que não chegou a arder entre nós dois.

Só eu me chamusquei nesta vaidade
querendo inventar uma verdade
que se tornou mentira. E depois???

XL Delírio


A Vida...é tão breve, um delírio,
é só curta metragem bem ligeira.
Um filme do Manuel de Oliveira
consegue ser mais longo, um martírio.

Não há prémios nem óscares a ganhar,
não tem guião escrito, é improviso.
No fim e se houver algum Juízo
as cenas não se podem apagar.

Cenário que nem sempre é colorido,
o género é muito indefinido,
tem drama, tem comédia da mais pura.

Nós somos os artistas, os actores.
No fim levamos ramos de flores
pois esta é a última aventura.

XXXIXCompanheira



A morte é companheira inseparável,
caminha desde sempre ao meu lado
e fico muitas vezes assustado
se sinto o seu bafo execrável

rondando o meu pescoço que se encolhe
do frio e do medo que inspira.
A minha boca treme, nem respira,
o corpo preso em gelo que me tolhe.

Seguimos duas linhas paralelas!
Por vezes digo asneiras e balelas
querendo afastar-me para sempre.

Inútil, mas que coisa tão sem tino!
Um dia o acaso, o destino,
irá cruzar a morte à minha frente.

XXXVIII Face Nua


Sonetos... São de vida, são de morte.
Apenas os separa uma linha
tão ténue, transparente, levezinha,
um véu de fina seda mas bem forte.

Podemos espreitar mas nada vemos.
Por isso inventámos o Além
o Céu, o Purgatório e também
Infernos onde vivem feios demos.

É como ver as fases duma lua.
A vida também disso é capaz
e cresce ou minga, nova ou então cheia.

Mas vemos sempre a mesma face nua.
O lado escuro esconde lá atrás
a morte que já tece a sua teia.

XXXVII Lágrima


A força da palavra é fraqueza
ao ver a nossa Mãe que vai partir.
A boca não consegue se exprimir,
cerrando os dentes, em silêncio reza.

Uma lágrima teima em rolar,
uma dor queima e fica na garganta.
A verdade magoa e espanta
em ondas sucessivas como o mar.

Sentimos como nunca a sua falta,
dispara o coração quase que salta,
órfãos do seu afecto e carinho.

Queremos pensar: ela está melhor,
quem sabe até nos braços do Senhor!
Só resta para nós chorar baixinho.

XXXVI Certeza


A única certeza desta Vida
é a Morte que espera lá à frente.
Umas vezes fulmina de repente
outras tantas é lenta e sofrida.

Mas mesmo que houvesse opção
difícil sempre era escolher.
Primeiro porque não queremos morrer,
depois porque a escolha é sem Razão.

Aceitemos com força o Destino,
já nos está traçado de menino,
nada pode alterar a nossa história.

Louvemos quem parte com Saudade,
com Amor, com Afecto e com Verdade.
A eles honraremos a Memória.

XXXV Palermóides



Digamos que começa com a morte
de não sei quantos mil milhões de zóides,
espermas na corrida. Palermóides
não sabem que só um vai ter a sorte

fecunda de gerar uma outra vida.
Um prémio bem difícil, lotaria.
No fim daquela louca correria
só um alcança a terra prometida.

A vida e a morte entrelaçadas
governam desde épocas passadas
os dias que passamos a correr.

Tiremos nós de vida bom proveito,
amemos a valer, pois, com efeito,
a morte paciente está a ver.

XXXIV Caquéctico



Estás velho caquéctico, Silvério!
Repara nessas peles do pescoço,
barbela que te esconde o caroço,
ofusca aquela aura de mistério.

E olha esse peito descaído...
O cinto apertado mal segura
o gordo da barriga! Que largura
terá nesse teu círculo no umbigo?

Mal vês a ponta dela quando mijas...
Não é ela que encolhe, não ta aflijas,
apenas se esconde atrás da banha.

Precisas de ginástica sueca,
podendo, dar mais uma ou outra queca ,
senão até um coxo te apanha.

XXXIII Impotência



Eu vejo-os passar todos os dias
com ares de gente fina, boa gente,
traídos no olhar fixo, ausente,
nas suas expressões ocas, vazias.

Os carros são potentes, alta gama…
Pior as infindáveis prestações
que chupam os seus últimos tostões,
que tiram o sossego até na cama.

E olham impotentes p’rá mulher,
(p’ra isso não lhes basta só querer,
precisam mente fresca e liberta).

- Hoje não vou lá, hoje não dá!!!
Há outra prestação já amanhã
e sinto uma tenaz que me aperta.

XXXII Vinhedos



Pudesse eu correr entre vinhedos
cheirando as flores da Primavera…
Descalço, mesmo assim que bom que era
voltar à minha infância onde os medos,

fantasmas que aparecem de repente,
se deixam para trás numa corrida.
Relembro minha cara estarrecida
ao ver o que parecia uma serpente.

Voltava de ir à venda, buscar pão.
trazia, além da saca numa mão,
um litro de petróleo numa lata.

Voei, mais que corri, encosta abaixo,
( nem sei como passei pelo riacho ).
A mãe, cheirando o pão, quase me mata.

XXXI PDI



Há dois meses e meio que não durmo
por causa de uma dor que me aperreia.
Uns dizem que é na subdeltoideia,
só sei que ando triste e soturno.

As noites passam muito devagar,
eu conto hora a hora os minutos.
Martelam-me a cabeça, são tão brutos,
e sem dormir são horas de acordar.

Passeio toda a noite a minha dor
do quarto para a sala ou corredor,
saudoso da antiga mocidade.

De nada vale a fisioterapia,
agora até me dói durante o dia,
eu acho que é da puta da idade.

XXX Traço Negro



Eu vejo tudo escuro à minha volta,
um traço negro a fumo e fuligem.
Um grito da Mãe Terra quando a atingem
os fogos que provocam a revolta

dos Verdes, dos azuis, dos encarnados,
não há cores diferentes nesta luta,
na caça a esses filhos duma puta
que roubam o futuro aos verdes prados.

E pintam de cor negra o dia a dia,
levando-nos a pouca alegria
dum povo assim pobre e tão carente.

Faremos excursões organizadas
para ver as árvores negras e queimadas,
sentir nas mãos a cinza ainda quente.

XXIX Dor Que Não Entendo


Vocês não imaginam quão discreta
consegue ser a dor que me atinge.
Loucura que se esconde e que finge
sorrir atrás de uns versos de poeta.

Invento poesia de mil cores
e tento esconder uma verdade
que mesmo para mim é novidade
e trouxe para mim muito mais dores.

Não quero panaceia pró meu mal.
Enfrento agradado, masoquista
aquilo que a Vida me estende.

A dor traz a coragem. Afinal
não há um só poeta que resista
ao charme de uma dor que não entende.

XXVIII Ressaca


Pareço um drogado na ressaca,
carente de um gesto, um sinal,
em dose pequenina, não faz mal,
um bálsamo para a dor que me ataca.

E tremo! Suores frios, convulsões
agitam minha mente ressacada.
Deliro e não posso fazer nada
que pare estas dores sem razões.

Preciso acabar este martírio
e pôr nos olhos gotas de colírio
que escondam o vermelho da demência.

E sonho com um mundo irreal,
de fadas, faz de conta, não faz mal.
Agarro esta doce dependência.

XXVII Flash



Já todos nós vivemos um momento
que passa muito rápido, um flash,
fazendo com que tudo se encaixe
num só micro segundo violento

que mostra, apesar da rapidez,
imagens ralenti, câmara lenta.
Até um pormenor assim aumenta
podendo até passar mais que uma vez.

A vida se constrói em poucos nadas,
são eles que nas horas apertadas
nos chegam mais depressa à memória.

Pequenos vão ficando lá para o fundo
mas são os alicerces do meu mundo.
Por cima construí a minha história.

XXVI Tristeza



E tu Tristeza vai-te esconder
no fundo do buraco tão sombrio
de onde não devias ter saído.
Saíste e sem ter razão de ser.

Agora vai. Consome-te a ti mesma
até nada restar da tua raça.
E tu ó Alegria dá-me a graça
de pôr algumas letras numa resma

que cantem em mil versos inspirados
aquilo que eu sinto cá por dentro
ao ler os parabéns à minha frente.

Tristeza já se foi! Deixou recados,
verdades que eu só agora enfrento:
Sem ela mais estéril era a mente.

XXV Animal De Estimação


Pareço um animal de estimação...
Rebolo, dou a pata, pantomino,
escrevo, dou louvores ao feminino,
só quero, animal, tua atenção.

E baixo as orelhas submisso,
aninho indefeso na procura
dum simples gesto meigo de ternura.
Mas tu espetas picos, qual ouriço.

E salto peito aberto, um faquir
que sofre mas que não deixa de rir.
Espeto os teus espinhos com prazer.

Rebolo outra vez, abano o rabo,
arquejo de feliz, até me babo.
Mas tu, ainda assim, finges não ver.

XXIV O Burro E A Cenoura



Os sonhos, qual cenoura pendurada
à frente do nariz de um jumento,
arrastam-nos, tão cegos, vida adentro
a troco de uma mão cheia de nada.

Sedentos vagueamos no deserto.
Oásis que nos surgem na paisagem
revelam mais não ser que uma miragem,
quimeras, esperanças sem acerto.

Os meus já me trouxeram até aqui.
De todas as estórias que vivi
algumas foram boas, outras más.

Não fossem as cenouras perseguidas,
não fossem as paixões por mim vividas,
estava eu parado lá atrás!

XXIII Signo



O signo que me marca vem acima
de tudo o que rodeia a minha vida.
Assim em qualquer astro será lida
a vida que me espera, a minha sina.

Mulheres são o centro do meu mundo.
Eu giro, um compasso bem mandado,
num círculo tão justo e apertado,
num transe bem real e tão profundo.

Não quero libertar-me desta amarra,
sou náufrago que sôfrego agarra
a bóia que lhe traz a salvação.

E vejo no restolho da espuma
um rosto de mulher que se esfuma
fazendo-me apertar o coração.

XXII Por Um Fio



Num só momento certo a frase certa?
Até este poeta procurou
mas, quando o momento encontrou,
nem nada lhe saiu pela boca aberta.

São só duas premissas. No entanto
difícil conjugá-las lado a lado.
Por vezes é também meu triste fado
querer assim juntá-las num só canto.

Por isso me perdoem se por vezes
não acertar a frase com o momento.
Ou este, sendo certo, é vazio.

Desculpem se ao longo destes meses
não tenha acertado. Eu bem tento.
Às vezes esteve mesmo por um fio.

XXI Recompensa


Um leve pestanejo atraiçoa
a falsa indiferença disfarçada
e um breve sorriso, quase nada,
revela pensamentos tão à toa.

As faces denunciam, já rosadas,
vergonha de criança inocente,
pureza de uma alma que não mente.
As mãos estão nervosas, baralhadas.

A pose antes quieta, muito tensa,
relaxa, abrindo brechas na defesa,
desvenda seus segredos sem querer.

É rara esta visão. É recompensa
aos olhos do poeta, a beleza
envolta num sorriso de mulher.

XX Inventar



Preciso inventar um novo amor,
ou nova aventura colorida,
que traga mais paixão à minha vida,
afaste este marasmo, este torpor.

Por isso vou moldar com as memórias
um rosto, uma espécie de mistura
de ninfa e de musa que atura
a mais louca, incrível das estórias.

Assim vou ter as rédeas, o controlo
e, mesmo que pareça mais um tolo,
já posso escrever-lhe um soneto.

É esta a vantagem dos poetas,
um mundo sem limites e sem metas.
Sorrindo nesse mundo eu me meto.

XIX Menos Tu



Dedilho melancólico a guitarra,
esqueço a dor em sangue nos meus dedos,
procuro entre acordes os segredos
de toda esta tristeza que me agarra.

A música é mais como um gemido,
embala-me em doces melodias,
aquece pouco a pouco os meus dias.
Assim ela chegasse ao teu ouvido…

Pareço o BB King com a Lucille,
concerto esgotado em Nashville
e canto: - I’m feeling sad, I’m feeling blue.

Sacodes mal a água do capote
pensando que a origem ou o mote
são todos, qualquer um, mas menos tu.

XVIII Ondas



Por vezes uma onda me invade.
É quente, vem de dentro e arrepia.
Eu juro, é verdade, não se ria.
Será assim que sinto a felicidade?

Pergunto porque, nessa mesma hora,
sorrio, para mim mesmo, espantado.
Não sei se isto tem significado.
Será a lucidez que foi embora?

Eu penso que estou lúcido, atento.
Ou isto fará parte de um tormento
que teima com meu âmago brincar?

Mas não, isto é verdade absoluta,
a mente está desperta e arguta.
Estranho é o meu peito a suspirar.

XVII Sim



Depois de muitos gestos de carinho
consigo ouvir da boca que me ferra
(assim ela se tapa e não berra)
um “Sim!” feito gemido de mansinho.


A mão, experiente, abre caminho…
A curva do joelho já passada,
a renda, em fina seda, ultrapassada,
segura, atinge enfim o seu destino.


Ferida que não fecha, receptiva
ao tacto deste dedo atrevido
que brinca divertido, descarado.


E ela colabora, mais activa…
Sussurra, indecorosa, ao meu ouvido
propostas que me deixam mais corado.

XVI Estertor


Alarguem-se os poros entupidos,
ericem-se os pêlos em repouso,
pois há já muito tempo que não ouso
gritar, soltar suspiros e gemidos.

Inalem as narinas esses cheiros,
revirem-se os olhos cor de sangue,
dilatem-se os vasos, fique exangue.
retesem-se os músculos nadegueiros.

Suspenda-se o ar em apneia
e tire-se o bridão que me refreia.
Eu quero cavalgar pela noite fora!

Que tremam como varas retesadas
as pernas que se dobram, já cansadas.
Que venha o estertor e sem demora!

XV Sitting In A Dream



Apeio do cavalo engalanado,
relanço um olhar em meu redor,
despeço-me sem raiva e sem dor
dum sonho que sonhava acordado.

Desprendo um alfinete no meu ombro,
a túnica desliza à minha frente,
depois a armadura reluzente,
trabalho de ourives, um assombro.

Por fim as finas vestes interiores
de linho perfumado e macio.
E fico nu, não olhem para mim.

As runas das canções dos trovadores
relembram-me num eco já vazio:
- I’m going nowhere sitting in a dream!

XIV Lobo


Eu canto, uivo ao vento, como um lobo
pescoço esticado, olhar ardente
no vão, oco, querer que de repente
o vento traga em si algo de novo.

Sou índio americano que adora
a terra, Manitu, o sol e a lua,
um corpo de mulher bela e nua.
E corro, sou cavalo noite fora.

Estou na aridez deste deserto,
convivo com os ratos, as serpentes
e provo deste ácido suor.

A vida, se a formos ver de perto,
é mel que nos escorre entre os dentes,
é fel disfarçado de Amor.

XIII Palhaço Amestrado (VIDEO)



A vida é um circo universal
e eu, como artista convidado,
invento peripécias, deslumbrado,
sem medo do que possa correr mal.

Eu sou um acrobata equilibrista
e faço cambalhotas no arame.
Não ouço a razão, por mais que chame,
insisto em ser o astro nesta pista.

Glória efémera, vazia!
O circo é como a vida. Quem diria?
O show tem sua hora de acabar.

Para já sou um palhaço amestrado,
devia estar triste, revoltado,
mas rio com vontade de chorar.

XII Esperança



A mim saiu-me o tiro pela culatra,
balão que eu enchia tinha um furo,
e cego fui em frente contra um muro.
À míngua está a mesa antes farta.

Desci, tão só, do pódium sem medalha,
as velas recolhi por não ter vento.
A vida é vazia, é um tormento,
não há agora escrita que me valha.

Mas vejo a esperança lá ao fundo!
Minúscula, é uma chama intermitente.
E corro. Como longe está a meta...

É este o meu círculo, o meu mundo.
enfrento a solidão. Na minha mente
desenho riscos frágeis de poeta.

XI Prisão


A grade da loucura que me prende
em malha tão estreita que sufoca,
consegue até tapar a minha boca
que seca, roxa, já nem se defende.

As mãos acorrentadas, indefesas,
apertam, com a raiva, os meus dedos
querendo desfazer todos os medos,
soltar faíscas, brasas bem acesas.

Liberta, só a mente que fervilha
em sonhos de magia. Maravilha
que leva estas letras pelo ar.

Consigo rebentar a malha estreita,
a mente já nem dorme nem se deita.
Consigo, em poesia, até amar.

X Fujo Com A Caneta


Eu sei que muitas vezes me distraio,
sou fraca companhia, introvertido,
que fico numa concha escondido
e só de longe a longe dela saio.

E tudo é por causa da mania,
insana obsessão de escrever;
feitiço, que amolece o meu querer,
da bruxa que me enrola em magia.

Sou burro cego e mudo numa nora,
não quero que a bruxa vá embora,
tão pouco que alguém se intrometa.

Eu faço cara feia, não me rio,
assumo posição de desafio,
e faço as malas, fujo com a caneta!!!

IX Palavras Que Eu Nunca Te Direi


De nada valem versos como este
se forem lidos sempre a correr,
sem verem o que eu quero dizer.
Se passas os teus olhos mas não leste

aquilo que se esconde entre linhas.
Segredos abafados numa rima,
escritos para não virem acima,
parecem coisas vãs ou picuinhas.

Não sei há quanto tempo isto dura
mas água quando bate até fura.
Se és como uma pedra eu não sei.

E solto o melhor das minhas veias
na louca esperança que tu leias
palavras que eu nunca te direi.

VIII Sonho De Uma Noite De Verão



É fácil escrever por escrever
sem ter obrigação. Só por agrado!
Construo um Universo mais ousado,
mais louco, irreal. Estão a ver?

E tudo reinvento novamente.
Com fios da mais leve poesia
costuro a mais linda fantasia
que visto orgulhoso à vossa frente.

Preciso só de alguém que me inspire...
Quem sabe o William Shakespeare
esteja decidido a dar-me a mão.

Misturo então em folhas inspiradas
princesas e duendes, muitas fadas...
Um Sonho de uma Noite de Verão.

VII Alcatrão


O negro alcatrão da auto-estrada
é minha companhia horas e horas.
De onde vens soneto, onde moras,
que surges tão real assim do nada?

Virás da mente feita confusão
fazer de mim mais um pobre diabo
que pensa estar prenhe, iluminado,
de cada vez que sente a solidão?

Só sei que eu procuro com urgência
papel para colar esta demência.
Esqueço os perigos. Um problema!

A letra fica torta, amontoada...
E mesmo distraído na estrada
acabo de parir outro poema.

VI Censura


Agarro a caneta apertada
em mão firme, segura, diligente,
não vá ela, caneta, de repente
fugir pela folha fora à desgarrada.

Assim solta, bem livre, independente,
poria ela a nu, à luz do sol,
o centro que me guia, o meu farol,
num só e simples verso que não mente.

Se vou estar atento à caneta
não posso, que sem querer, se intrometa
na folha de papel qualquer ideia

que possa passar no corte da censura,
me faça alguma asneira, uma loucura,
sangrando mais ainda esta veia.

V Dez Minutos



Consigo escrever em dez minutos
sonetos com princípio, meio e fim.
Não sei o que me faz correr assim
atrás de alguns versos mais astutos

que ponham no papel a minha alma,
a mesma em que eu não acredito.
E solto com a raiva mais um grito
pensando que assim ela se acalma,

a dor de ser um corpo que já morre.
Assim a vida foge e como corre
na luta que eu travo dia a dia.

Corrida inglória contra o tempo,
pudesse eu parar por um momento,
contigo esse momento viveria.

IV O Dito Por Não Dito


Escrevo letras simples, terra a terra,
assim como escrevo uma carta.
Parece que a mão nunca se farta
e solta a palavra que me ferra,

que tanta força faz para fugir.
À pressa, ela foge toda nua,
verdade ou mentira, sempre crua,
mas livre, como tola, a sorrir.

Irá chegar a si tão descomposta...
Você até estranha e num sorriso
pergunta porque não tenho juízo.

Devolvo-lhe um sorriso em resposta,
não quero ser poeta erudito.
Assim não dou o dito por não dito!

III Secura


Mais rápida a caneta que a cabeça,
mais rápida que a mão que a segura,
escreve inocente, imatura,
por mais que eu lhe peça que obedeça.

Desliza sobre a folha de papel
e larga confidências escondidas.
Estavam prisioneiras as bandidas,
agora já me fogem sob a pele.

Vou pô-la na gaveta de castigo
e ver se desta forma eu consigo
suster esta torrente de loucura.

E vou coser a boca com uma linha
a ver se assim o verso se definha.
Transformo este dilúvio em secura.

II O Vício Versa


O vício versa em mim, ou bem ou mal.
Mais rima, menos rima, que importa?
Escrevo a direito em linha torta,
procuro afanoso um final.

O vício é como tinta permanente.
Não sai, é indelével tatuagem,
mais funda do que vemos na imagem,
mais longe do que pode ser decente.

Estou-me borrifando para a moral!
A linha que separa o Bem do Mal
é fina, transparente, enleante.

O vício que eu tenho de escrever
está tão fundo em mim que ao morrer
escrevo mais um verso num instante.

I Meu Retrato (VIDEO)



Não sou nenhum poeta, escrevo versos.
Só ponho em palavras pensamentos
que querem ver a luz por uns momentos,
sair da condição de submersos.

Por sorte elas rimam facilmente,
mas sem a leve graça da Sofia,
sem terem do Pessoa a poesia,
nem dor da Florbela tão ardente.

Invejo sobretudo o Camões.
Valeram bem a pena os dois tostões,
por tantas aventuras foi barato.

Se muito me esforçar, e sem desleixo,
talvez me aproxime do Aleixo
e deixe nestas letras meu retrato.