Bem vindo

Aqui vais encontrar "o melhor das minhas veias" sob a forma de Sonetos.
A lista aqui ao lado , numerada e ordenada para facilitar a leitura, estará em constante crescimento "na louca esperança que tu leias".
Alguns Sonetos têm associado um pequeno video ou um slide show e estão assinalados.
Os Sonetos que aparecem na página inicial foram os últimos a serem colocados, por isso aconselho a começares pelo primeiro(ver lista).
Aprecia, comenta e se possível devolve-me um sorriso para silveriocalcada@gmail.com

LXIV Lascívia


Eu sei que não te amo, é só desejo,
querer de animal cheio de cio.
Lascívia que me empurra pró vazio,
loucura que me dá quando te vejo.

A carne toda ela se excita,
o sangue corre quente, endiabrado,
a mente não se livra do pecado.
O sexo firme, roxo, arrebita.

Mas penso isto tudo sem malícias,
não quero sujeitar-te a sevícias.
Eu sou e sempre fui concupiscente.

E guardo para mim este tesão
que ferve então mais tarde em minha mão.
Sozinho, no escuro, já demente.

LXIII Defeitos


Corri atrás do belo, do perfeito,
dum rabo que rebola à minha frente
de algo que se diga diferente
da curva opulenta de um peito.

Segui mais de mil pistas disfarçadas
atrás de um perfume ou simples cheiro
armado em cão de caça, perdigueiro,
atrás de umas pernas alongadas.

Tirei, qual costureiro, as medidas,
tentei eu seduzir as escolhidas
com gestos, com palavras, com trejeitos.

Agora, perfeição, já não me iludes!
E hoje, muito mais do que virtudes,
procuro apreciar os teus defeitos.

LXII Mereces


Um copo há muito tempo proibido
liberta minha mente e minha escrita.
Se esta se apressa aflita
a outra bem procura um sentido.

Prefiro o tinto ao branco. É da cor!
Vermelho, escarlate de paixão,
do sangue que me enche o coração.
Difícil é chamar-te de Amor.

Desculpa a timidez e o recato
(talvez seja do vinho que é barato)
desculpa este soneto tão à toa.

Mereces um poema do Homero
que cante em mil versos que te quero.
Mereces Barca Velha ou Bacalhoa.

LXI Truque


São horas como estas tão vazias,
minutos que se arrastam num espasmo,
o ócio dos segundos, um marasmo,
que fazem solidão estes meus dias.

Não quero estar sozinho e invento
a tua improvável companhia
aqui mesmo ao meu lado (quem diria?)
tão longe estando tu neste momento.

Um truque inventado, sem semente,
tão puro, tão naífe, inocente.
É simples artimanha pessoal.

Resulta? Bem, às vezes, mas não sempre.
Nas outras fico só, indiferente
e, juro, chego até a passar mal.

LX Saudade


Não sei o que fazer a tal saudade,
a esta incontinência dolorosa,
a esta maluqueira tão raivosa,
a este dia a dia sem vontade.

Acode-me! Caminha a meu lado.
Ajuda-me! Só tu podes fazê-lo.
Encontra as duas pontas do novelo,
destrança este sentir emaranhado.

Resgata esta mente que se perde,
depressa antes que a sorte me deserde.
Loucura é uma seta, eu sou o alvo.

E peço - sem mentira, sem cinismo -
que faças qualquer coisa, um exorcismo.
Diz uma só palavra e serei salvo.

LIX No Fumo Do Cigarro


Não sei como apareces de repente
atrás de qualquer coisa tão comum.
Fantasma, vens do nada, do nenhum,
assombras-me dum modo diferente.

Não sei qual a magia que tu usas
que põe a minha vida assim presa.
Não sei como me apanhas de surpresa
e tornas-te a maior das minhas musas.

Não sei como te fazes nevoeiro
opaco, envolvente, sorrateiro,
que tento abraçar mas não agarro.

Nem sei porque feitiço ou que arte
consigo facilmente imaginar-te
no fumo que se solta do cigarro.

LVIII Barrela


Tu não ligas nenhum ao meu afecto,
à simples amizade que te ofereço.
E eu, que penso ainda que mereço,
agora aqui me lavo, desinfecto.

Começo por fazer montes de espuma,
esfrego com as unhas muito bem,
dissolvo tua imagem e também
arranco as lembranças uma a uma.

A pele já se foi mas vou mais fundo
( não é que esteja sujo ou imundo )
até à mais recôndita entranha.

Por muito que me custe o que faço
arranco o teu último pedaço.
A vida, tão vazia, fica estranha.

LVII Nem Sequer Existes


Mas nem sequer existes, inventei-te!
Criei-te assim do nada do vazio,
queria que aquecesses este frio.
Desculpa! Na verdade eu usei-te!!!

Nem sabes que és parte deste mundo
criado em meu próprio benefício.
Desculpa se te uso como vício
ou droga, ou desejo mais profundo.

É pena estares de fora deste sonho
e fora deste altar onde te ponho,
aonde te endeuso, te adoro.

Assim entenderias com certeza
a falta que me fazes, a tristeza
que sai dentro de mim e porque choro.

LVI Não Rima


Tu és como um verso que não rima,
mas teimo em enfiá-lo num poema
que tem a minha vida como tema.
(Quem sabe noutra linha mais acima…)

Um verbo só no modo de infinito,
difícil conjugá-lo de outra forma,
o tempo junto a ti fica sem norma,
vapor que se esfuma, é esquisito.

Há versos que não rimam, todavia
não deixam de vibrar em poesia,
são música, harpejos, pelo ar.

O verbo, sem abrir, mesmo quieto
transmite, só por si, o meu afecto,
no tempo deste verso acabar.

LV Criação


Queria ter o dom da existência,
o bafo que do barro extrai a vida;
pegar numa memória escondida,
discreta, macerada em inocência,

e dar-lhe novo alento, novo ser.
Trazer do fino limbo da lembrança
um fresco e leve riso de criança
chilreio que nem ave pode ter.

Moldar com minhas mãos o teu perfil
pintar o teu olhar de azul anil,
sonhar o teu sorriso vida fora.

Assim fez, com Pinóquio, o Gepeto.
É grande este sonho em que me meto,
mas quando acordar, não vás embora.

LIV Penitência


Queria escutar os teus pecados
(atrás da velha grade do confesso),
usá-los com arma de arremesso,
quebrar tua altivez em mil bocados.

Terás teus pontos fracos, com certeza,
terás um calcanhar como Aquiles.
Confessa ( vamos lá e não refiles ),
desvela para mim tua fraqueza.

Depois, para remires os teus pecados,
que foram por engano confessados,
escrevo aqui a tua penitência:

Vais dar-me, num sorriso, a tua mão.
Se fria, orgulhosa dizes não,
na mesma te absolvo. Paciência!

LIII A Tua Indiferença


A tua indiferença é acidez,
matéria sulfúrea e corrosiva
que põe meu interior em carne viva
e ardo cá por dentro outra vez.

Parece um instrumento de tortura
que aperta ossos, músculos, à cega,
num jeito de carrasco que renega
qualquer e todo o gesto de ternura.

A culpa não é tua, eu confesso.
É minha! Mas que tolo eu pareço…
Gostar de um sofrimento tão atroz!!!

Sou dupla personagem nesta estória
(não é que daí venha grande glória).
Consigo ser a vítima e o algoz.

LII Alma Gémea


Pensei ter encontrado a alma gémea.
Foi pura ilusão, quase mentira!
E juro, pelo ar que se respira,
não via só em ti uma outra fêmea.

Prendi-me no sorriso inteligente,
nos gestos leves, simples, espartanos
na mente firme, recta, sem enganos,
no jeito que coravas de repente.

Sonhava com serões frente à lareira,
depois de mais um dia de canseira,
um livro de poemas numa mão.

Pousavas a cabeça em meu regaço,
despias junto a mim o teu cansaço,
guiavas-me, matreira, a outra mão.

LI Sina


Olá! Deixa pegar na tua mão,
gentil virar-lhe a palma para cima
e ler, por entre as linhas, tua sina,
sentindo acelerar teu coração.

Desenho com o dedo a letra M
que surge bem vincada em tua pele.
Depois olho teus olhos cor de mel,
seguro com mais força a mão que treme.

Descrevo um futuro cor-de-rosa,
a vida mais incrível e charmosa,
idílio permanente sem ter fim.

É tudo para ti, na condição
de teres entre as mil linhas dessa mão
alguma destinada para mim.

L Pé Ante Pé


Discreta, ou então pé ante pé,
chegaste como fumo rarefeito,
entraste porta adentro no meu peito.
Intrusa! A princípio nem dei fé.

Depressa te instalaste possessiva,
roubando o lugar doutras paixões.
Não sei como consegues e te pões
por cima, dominante, tão altiva.

Eu sei que tu não queres este papel
de vírus infiltrado sob a pele.
Sou eu que quero e vivo este momento.

Não sei como tratar esta virose,
nem tenho do antídoto uma dose.
Irás como vieste: com o tempo!

XLIX Névoa


A névoa matinal ganha contorno
e molda o teu rosto em relevo.
Imagem que retenho e depois levo
até que se evapora sem retorno.

Encontro-te então na luz do sol
que ofusca as lembranças mais sombrias,
relembro os dentes brancos quando rias,
o hálito mais fresco que mentol.

À tarde vens em horas repetidas,
brincamos, só nós dois, às escondidas,
crianças que não pensam em mais nada.

A noite traz consigo a luz da lua,
a última imagem é a tua.
Sorris no aconchego da almofada.

XLVIII Coceira


A dor já me aperta as entranhas,
as mãos atarantadas não se quedam,
os dedos tão nervosos não sossegam,
a mente inventa próspera mil manhas.

Coceira que me brinca na barriga
impele esta escrita que tu lês.
Palavras uma a uma em sua vez
serão mais um soneto assim consiga.

No fim de oito linhas já escritas
eu sei que mesmo tu não acreditas
no verso assim parido de repente.

Parece-te um aborto provocado,
maldade de uma alma em pecado,
mentiras de um poeta que te mente.

XLVII Desespero


Passou por mim agora uma mortalha
em cima de um caixão toda bordada.
Enfeita com a cor arroxeada
os restos que sobraram da batalha

da vida que o defunto já perdeu.
Gelado, teso, hirto, esticado,
encara impotente o seu fado,
imóvel no destino que é o seu.

Consigo adivinhar-lhe o desencanto,
sozinho como um bicho a um canto,
a morte tão eterna à sua frente.

Lamenta as mulheres que nunca amou,
julgava que era novo, não pensou
na morte que chegou tão de repente.

XLVI Esperteza


Por vezes enganei a própria morte.
Devia estar ela distraída
pensando a quem vai tirar a vida
rodando a roleta da má sorte.

Mulheres enganei eu muito mais vezes,
sem medo nem temor de uma vingança.
A morte só nos dá a esperança
por anos, alguns dias, alguns meses.

A elas eu engano num sorriso
mostrando como pouco é o juízo,
dizendo como sou uma má rês.

A morte não me gaba a esperteza.
Relembra com verdade, com certeza:
Um dia vai chegar a minha vez.